Encruzilhada

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domingo, 24 de fevereiro de 2013

Filmes e Memorabilia 2013 - A hora mais escura


52. A hora mais escura – 15/02 - cinema


‘A hora mais escura’ assume que agentes americanos conseguiram através do uso da tortura informações vitais para a localização de Osama Bin Laden. O simples fato de mostrar essas cenas poderia fazer parecer que o filme está condenando a prática. Não é o caso. Neste filme, os torturadores são os mocinhos. Mocinhos sim, pois por mais que realizadores tentem afirmar que a lógica do filme é imparcial e busca mostrar todos os lados da caçada a Osama, pra mim, é balela.

    O brasileiro ‘Tropa de Elite’ foi acusado de defender métodos truculentos da polícia do Rio de Janeiro. No entanto, naquele caso, o filme se faz do ponto de vista do protagonista (Capitão Nascimento), um sujeito que testemunhamos no decorrer da projeção como totalmente desequilibrado e sob uma tamanha carga de stress por conta do trabalho a ser realizado que o deixa a ponto de explodir. No caso de ‘A hora mais escura’, o ponto de vista da narrativa é mais amplo, temos uma protagonista, mas não assistimos o filme do ponto de vista dela. Sendo assim, aqui e ali, Maya (Jessica Chastain) aparece como uma mulher que vai se tornando obcecada pelo trabalho de localizar Bin Laden, mas esse desenvolvimento não é o suficiente para emitir um julgamento moral sobre as atitudes do governo para alcançar o objetivo.

      O filósofo esloveno Slavoj Zizek, ao decorrer sobre o filme, colocou a seguinte questão: ‘A serviço de quem está uma representação da tortura que se apresenta como neutra’? A diretora Kathryn Bigelow afirmara, em carta ao Los Angeles Times, que ‘representação não é aprovação, elogio’. Zizek, por sua vez, coloca que ‘ninguém precisa ser um moralista, ou ingênuo sobre as urgências da luta contra ataques terroristas, para pensar que torturar um ser humano é, em si mesmo, algo tão destruidor que representa-lo de maneira neutra – isto é, neutralizar este caráter destruidor – é por si uma maneira de apoiá-lo’.

Aqui temos um filme que se propõe ser mais ‘honesto’ acerca das táticas e escolhas dos seus governos, refutando um tom ufanista de louvação ao militarismo, mas ainda assim é construída uma narrativa tensa que deixa o espectador torcendo pelos Seals na sequência da captura e assassinato de Bin Laden. Ao fim da sessão, não considero esta uma sensação boa. O suposto ponto de vista ‘múltiplo’ ou ‘neutro’ defendido pelos realizadores é, na verdade, o ponto de vista americano, que em momento algum questiona o porque desta guerra, os motivos que levam  aos ataques terroristas e também os limites das operações americanas quando o assunto é direitos humanos.

    Para um retrato americano mais honesto sobre a posição do país em sua cruzada contra o terrorismo, sugiro uma sessão dupla com o documentário ‘Procedimento Operacional Padrão’, de Errol Morris, sobre os abusos em Abu Ghraib e a ficção ‘Guerra sem cortes’, de Brian De Palma (completo no link abaixo), sobre assassinatos cometidos por soldados americanos no Iraque.


MEMO: À parte da política, o filme é uma boa fita de ação. E a sequência da captura de Bin Laden é memorável em sua claustrofobia e escuridão.