Encruzilhada

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sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Filmes e Memorabilia 2013 - Os Miseráveis

39. Os Miseráveis – 03/01 - Cinema



Entre começar a trabalhar em ‘Os Miseráveis’ e lançar a obra com estrondoso sucesso, Victor Hugo dedicou quase vinte anos de sua vida. O histórico romance foi lançado em cinco volumes, com algumas edições contabilizando no total 1300 páginas. O filme de Tom Hooper, que adapta o musical nascido nos anos 80 na França e importado/traduzido para a Broadway, tem pouco mais de 2h30. O resultado da equação é uma narrativa apressada, atropelada e que, ao contar toda a SAGA de forma cantada - no modelão Broadway, diga-se de passagem - transforma todo momento em som e fúria. Mas quando absolutamente tudo é espetacular, épico, não há nuance, não há respiro; tudo vira uma coisa só. É como um filme de ação com sequências de perseguições e tiroteios sem intervalo; ou um filme de terror com sustos ininterruptos; uma comédia com piadas sem cessar. São exemplos banais, mas foi essa a impressão que tive ao assistir ‘Os Miseráveis’. Talvez a estrutura toda cantada nem seja exatamente o problema; a questão é que todos os números são épicos e aí, mais uma vez, tudo vira uma coisa só e eu, como espectador, não tenho tempo de me importar com nada nem ninguém, porque mal terminou uma catarse e lá vem outra na sequência.

Sou fã de musicais. E romântico declarado. Meu filme preferido é West Side Story, um musical de 3 horas de duração, adaptando Shakespeare, ídolo dos românticos. A obra de Victor Hugo é romântica e melodramática por si só, mas a opção de acelerar a narrativa e colar todos os números musicais (usada para supostamente dar ritmo e evocar uma linguagem teatral) simplesmente eleva o melodrama a níveis insustentáveis, para não dizer insuportáveis. Por consequência, personagens surgem superficiais e unidimensionais. Veja a Fantine de Anne Hathaway, por exemplo. Surge em cena e sofre, sofre, sofre, sofre. Desde seu primeiro instante ela é oprimida por suas colegas (sabe-se lá o porque), seu contramestre, e depois, por todas as pessoas da ‘zona’ da cidade: prostitutas, cafetões e clientes, todos caricaturais. A única que sofre ali é a pobre Fantine. A questão da narrativa pra mim é que, sem concessões, talvez ‘Os Miseráveis’ seja uma obra inadaptável para o cinema comercial. É uma saga, como já disse. E as concessões que esta adaptação faz (e acredito que sejam as mesmas do musical da Broadway, que nunca vi), na minha opinião, são as piores possíveis. Porque ao acelerar encontros, momentos, transformações e o ritmo da história como um todo, deixa a ação confusa e suprime as motivações e as nuances dos personagens - por vezes nos perguntamos ‘por que ele está fazendo isso mesmo?’. 

Atropelar os acontecimentos e transformar tudo em uma coisa só é realmente uma pena porque prejudica não só o andamento da história como as performances do bom elenco. Sem tempo de desenvolver os personagens entre as cantorias, Anne Hathaway resume-se a sofrer e chorar; Russell Crowe resume-se a perseguir implacavelmente, numa mesma escolha de expressão; Hugh Jackman, a partir do momento que se eleva socialmente, se resume à culpa e à fuga. Acho uma pena especialmente por conta de Jackman, competente, totalmente dedicado e entregue ao papel, mas que recebe um peso ainda maior sobre os ombros ao ter que levantar o filme a cada cena, uma vez que seu personagem é o mais próximo que existe de um fio condutor da saga.


E nem vou começar a falar de política, com a visão cristã, religiosa e por vezes elitista predominando sobre o destino dos personagens.

Pra terminar, uma reflexão. Música não é simplesmente som, é a junção de som com silêncio. Se não há silêncio, se só há som, não há música. Em ‘Os Miseráveis’, fiquei com a impressão de que sobra som (extraordinariamente captado ao vivo, diga-se de passagem). Mas falta silêncio.

MEMO: Mesmo com todas minhas críticas negativas ao filme, não questiono que é arrepiante assistir Fantine cantando ‘I dreamed a dream’.