Encruzilhada

Encruzilhada

domingo, 31 de março de 2013

Um poema por dia - 26/03 - Da janela do mundo

26/03

Da janela do mundo

Vem, 
Se acende e se liga pra mim
Convence que é melhor assim
Sabendo sem sair do sofá
Parado no mesmo lugar

Vem,
Me conhece e me olha de perto
Me doutrina, me diz o que é certo
Ideologia é informação
DI-VER-SÃO
Divergir, divertir
Me conquista, me deixa entretido
Me derruba, me torna vencido
Conformismo e dominação
Condição

Vem, 
Me faz rir, me descansa a cabeça
Vai, me vende mais uma cerveja
Me diz o que ouvir
O que sentir
Me fala o que pensar
Em quem votar
Me ensina como ver
Como viver

Vem,
Me enterra que eu fico feliz
Me fala 'foi você quem me quis'
Me dá mais um reality show
Fala comigo e me diz o que eu sou.

Filmes e Memorabilia 2013 - Bronson

65. Bronson – 30/03 – Internet


A cada filme que vejo de Nicolas Winding Refn fico mais impressionado. Não apenas com o apuro visual que o cineasta dinamarquês é capaz de imprimir, mas como ele consegue criar o próprio estilo sem pesar a mão e sem sobras.

Em ‘Bronson’, Refn monta o retrato de um personagem aterrador: o inglês Michael Peterson, um sujeito tão violento que funciona quase na lógica de um artista. E de fato, no decorrer dos anos de confinamento, torna-se um artista. Sem deixar de ser um homem violento.

Condenado a sete anos de prisão por roubar um posto dos correios, o homem acaba passando 14 anos na cadeia por brigas com outros detentos e carcereiros. Transferido entre o sistema prisional inglês por incríveis 120 vezes (!) pelo mau comportamento, Peterson acaba livre em 1988. Apenas para ser preso de novo, 69 dias depois, tendo acabado condenado à prisão perpétua. Do total de seus 37 anos de cadeia, 30 foram em solitária.

Não à toa, Charles Bronson, alter-ego psicótico criado por Peterson, alcançou seu objetivo, tornando-se uma celebridade, ainda que bizarra: o preso mais perigoso da Inglaterra.

Nicolas Winding Refn constrói uma espécie de relato biográfico não-realista, pondo Bronson (Tom Hardy, já falo dele) para contar a história diante da câmera e entrecortando os relatos e episódios com uma apresentação teatral do personagem diante de um público. Dos enquadramentos à fotografia, passando pela trilha sonora e o ritmo da narrativa como um todo, tudo impressiona. Da fabulosa sequência inicial em luz vermelha ao fim, Refn deixa claro seu domínio da obra como um todo e a confiança em suas escolhas estéticas.

O resultado é um filme com ecos de Stanley Kubrick. ‘Bronson’ chegou a ser chamado de ‘Laranja Mecânica do século XXI’. Sem entrar necessariamente no mérito comparação, o fato é que as referências estão lá: a extrema violência gráfica, o tipo psicótico, a música clássica, o sistema prisional britânico, o protagonista até canta.
Os méritos de Nicolas Winding Refn, no entanto, precisam ser repartidos com Tom Hardy. Reza a lenda que o inglês engordou 19 quilos fazendo 2.500 flexões por dia, durante cinco semanas para alcançar a musculatura do retratado. Mas Hardy não é apenas uma presença física. É um puta ator, que aqui oferece uma performance hipnótica. O tipo ‘louco’ pode ser um convite ao clichê e ao exagero, mas Hardy aproveita as escolhas do diretor para até brincar com o personagem (como nas intervenções teatrais) e, entre grunhidos e uma voz gutural, criar um homem de quem podemos esperar qualquer coisa, a qualquer momento.

Ainda que um psicopata, um psicopata absolutamente fascinante.

MEMO: As sequências de Bronson no palco são absolutamente fantásticas; a cena em que o personagem se besunta de manteiga e aquela em que promove um assalto numa joalheria desarmado, aos berros com a vendedora, também são memoráveis.  

Trailer:



sábado, 30 de março de 2013

Um poema por dia - 25/03 - Fela

25/03

Fela!

Salve Fela
Rei das raças
Graças
Existe em meio a elas
Passas, Fela
Como Mandela
Encarnado homem da Nigéria
Líder

Salve Fela
Majestade em hit
Ritmo
Afrobeat
Signo
Voa no flow
Flutua no show

Salve Fela
Em vida sua república
Despida de túnica
Separada, única
Pública e última

Salve Fela
Rei das ruas
Suas, nuas, cruas
Canções, refrões
Ações
Resistência
Ainda em persistência
Apesar de tua ausência

Salve Fela!



Filmes e Memorabilia 2013 - Hitchcock


59. Hitchcock (05/3) – cinema


Cúmulo da crise de criatividade que assola a indústria do cinema americano não é de hoje, ‘Hitchcock’ adapta um livro-reportagem de Stephen Rebello sobre os bastidores da filmagem de ‘Psicose’. O que pode ser um bom registro jornalístico no papel torna-se banal em forma de filme.

Correndo o risco de ser julgado pelo exagero, acredito que qualquer história pode ser uma boa história para ser contada em uma obra de arte. Mas no caso de 'Hitchcock' o que há é uma série de curiosidades acerca das filmagens mescladas a um esboço de criação de personagens, que acabam mal desenvolvidos, mais em função do roteiro em si do que dos (grandes) Helen Mirren e Anthony Hopkins. Hopkins, em especial, tem sua performance, com cuidadoso trabalho vocal embora por demais infantilizada, prejudicada pela ridícula maquiagem, que ‘o transforma num membro da família Klump’, como bem disse o crítico Pablo Villaça.

 
Não duvido que esta história pudesse ter rendido um bom filme. Mas do modo como o diretor Sacha Gervasi conduz as coisas, o máximo que consegue é criar um patético triângulo amoroso (que pode até ter existido, mas aqui é simplesmente mal construído e mal retratado) e acumular momentos risíveis como as conversas imaginárias do diretor com o psicopata Ed Gein (Michael Wincott ainda existe!!), que inspirou o livro e o roteiro de 'Psicose'; ou ainda quando Hitchcock sai da pré-estreia de ‘Intriga Internacional’ e ouve de um repórter algo como: “Sr. Hitchcock, o senhor está no auge de sua carreira, o que fazer agora?”. Alguém pode ser mais irritantemente explicativo do que isso pra deixar claro o conflito de um personagem?

Meu conselho: faça um favor ao velho mestre e use seu tempo para (re)ver Psicose, uma das obras-primas de Hitchcock.

MEMO: Tenho que admitir que Hitchcock do lado de fora do cinema regendo a reação das pessoas à cena do chuveiro é um momento inspirado.

Um poema por dia - 24/03 - Descobrideiros

24/03

Descobrideiros

Aqui, entre os primeiros
Somos todos sorrateiros
Através dos derradeiros
Dias de nossos sonos

Correndo atrás de bônus
Leiloeiros
De horas e dias inteiros
Ignoram ser prisioneiros

Saberão de tudo, pioneiros
O mundo, carniceiros
Sufocarão
Em praça, pregoeiros
Passageiros, estrangeiros
São.

sexta-feira, 29 de março de 2013

Filmes e Memorabilia 2013 - Nós que aqui estamos por vós esperamos

64. Nós que aqui estamos por vós esperamos - 27/03 - Repetido - Internet


Nem documentário, nem ficção, 'Nós que aqui estamos por vós esperamos' talvez esteja mais próximo de uma peça de vídeo-arte. Ou melhor, um pouco de documentário, um pouco de ficção, 'Nós que aqui estamos...' é peça de museu, peça de arquivo. Como o próprio realizador Marcelo Masagão define, é um filme-memória.

Assim como Baraka faz um retrato de natureza e civilização, aqui o diretor e roteirista usa inacreditáveis imagens de arquivo, associadas a algumas obras marcantes do cinema mudo (O Homem com a Câmera, Um Cão Andaluz, Viagem à Lua, entre outros) para criar uma cápsula de memórias da civilização no século XX. Não à toa - segundo o Wikipédia - o filme de 1998 custou 140 mil reais para ser feito, com 80 mil sendo destinados ao pagamento dos direitos autorais de imagens e fragmentos de vídeo.

Lembro de assistir ao filme pela primeira vez quando adolescente. Fiquei embasbacado com a compilação de registros e a 'linha narrativa' elaborada por Masagão, criando uma espécie de documentário lúdico. Hoje, 15 anos depois, 'Nós que aqui estamos...' segue impactante e arrebatador pela força de suas imagens, da bela combinação entre registros históricos e histórias criadas, além da linda trilha sonora de Wim Mertens (com intervenções de André Abujamra).

Um filme-memória que poderia ser enviado como uma cápsula do tempo ao espaço, como um registro da civilização do século XX.

MEMO: As sequências de Fred Astaire/Garrincha e a história da Família Jones, entre muitas outras, nunca saíram da minha cabeça.

*O filme completo está disponível no Youtube. Link abaixo:

Nós que aqui estamos por vós esperamos


Um poema por dia - 23/03 - Risadinha

23/03

Risadinha

Uma risada é um relance da alma
Vislumbre da calma
Sentido
É vida nova um sorriso
Ainda que contido
Detido

A leveza de um gargalhar
Sons com poder de curar
Por simplesmente melhorar

Um momento
Movimento
Decisão
De uma visão

Enfrentá-la com uma risada
De pé, diante, rindo
De posse de uma gargalhada
Sorriso, sorri, sorrindo.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Um poema por dia - 22/03 - Bob D.

22/03

Bob D.

Sua gaita me rasga a alma
Vinda do nada, como pedra rolada
Me corta o peito, me acalma
Bruta melodia, sem direção pra casa

Crônica do dia
Ao dia
Um sonho de rebeldia
Adia

Para o que quer que seja
Planeja
Cada frase, cada verso
Diverso, perverso
Dylan, o poeta inverso
Da vida
Da sua que é minha
Calada pelo que não tinha
Vida vencida, trazida, só ida.

quarta-feira, 27 de março de 2013

Um poema por dia - 21/03 - As pessoas tem que saber o que elas significam

21/03

As pessoas tem que saber o que elas significam

Olhos nos olhos
Sim, por que não?
Falo o que falo
Amigo, inimigo, paixão
Que cantem, que digam
Às pessoas o que elas significam

Falo o que sinto, o que penso, o que acho
Aos que se foram, aos que se vão, aos que ficam
Cada um, por si só, reconhece seu pedaço
As pessoas tem que saber o que significam

Sem medo, receio, ou repressão
Às favas os imbecis que classificam
Digam o que representam, o que são
As pessoas tem que saber o que significam.

terça-feira, 26 de março de 2013

Um poema por dia - 20/03 - A primeira mordida da maçã pode ser um coração

20/03

A primeira mordida da maçã pode ser um coração

Começa com uma mordida
Revela um coração
A carne aberta, ferida
A pele sangra, paixão

Vermelha, sensual
Brilhosa, brilhante
Molhada, suada
Excitada, excitante

Encontro de boca; de novo, novamente
Gosto amargo, sabor de terra;
Fruto proibido, fruta serpente
Sexo, maçã, no corpo se encerra.

segunda-feira, 25 de março de 2013

Um poema por dia - 19/03 - A magia de todos os dias

19/03

A magia de todos os dias

Eu acredito em magia
Magia no que é do dia a dia
Um momento qualquer
Sequer
Transformado incrível
Feito inesquecível

Magia não é de fora
Penso, crio e arrebato agora
Vem de dentro
Centro
Espírito, vontade, coração
Peço lincença, entro
Minha magia, escolha, minha razão.

domingo, 24 de março de 2013

Um poema por dia - 18/03 - Visitante

18/03

Visitante

Está por perto
Incerto
Sempre correto, aberto

Fascínio, pavor
Fascina o horror

Desconhecido
Vez nascido
Vem, castigo

Leva onde se for
Encerra, faz sumir
Carrega toda dor
Descanso, paz, partir.

Comentário leitura 'Um copo de cólera', de Raduan Nassar


Nunca tinha lido nada de Raduan Nassar. Conheci sua obra pela adaptação sublime de 'Lavoura Arcaica', de Luis Fernando Carvalho. Dia desses, fazendo uma faxina nos livros de casa, apanhei 'Um copo de cólera', livrinho vermelho de 87 páginas escrito em 1970, publicado em 1978. A forma como o li não foi a ideal. Infelizmente, ainda luto para consolidar meu hábito de leitura e me demorei demais a concluir.

'Um copo de cólera' é um livro para ser lido num tiro só. A maior parte é praticamente um episódio e em todo romance Raduan Nassar escreve como num fluxo de pensamentos, entre incontáveis vírgulas e raros pontos finais, que aparecem apenas para concluir os capítulos. A forma adotada só favorece a leitura em uma levada só. 

O texto fluido enfoca a relação tumultuada entre um homem e uma mulher, com uma narrativa em primeira pessoa (o homem) que começa uma noite de sexo visceral e vai até uma manhã em que as tensões entre os dois explodem em uma discussão, em 'O Esporro', o capítulo central do livro.

Lido da forma correta, 'Um copo de cólera' é um curto porém ótimo estudo de personagem, que forma um retrato pungente ao mergulhar no ataque de raiva de um homem voluntariamente isolado em sua existência e na escolha de seu modo de viver. 

Separe uma tarde inteira e boa leitura.

sábado, 23 de março de 2013

Um poema por dia - 17/03 - O pedido

17/03

O pedido

Espero
Enquanto quero
Decifrar, traduzir
O anseio de sentir
Pedir
Sua mão na minha
Então, sozinha
Agora tem
O que não tive
Mais ninguém
Porém
Com mão tem coração
Calor, suor, sangue
Amor, o próprio transe
Em vias de união
Quer
Dormir
Acordar outra mulher.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Comentário show 'Caetano Veloso - Abraçaço'



À primeira vista, um show de MPB (e alguém aí me diz o que é MPB?) seria para ser assistido sentado. Hoje, Caetano Veloso não é MPB. Acompanhado pela banda Cê - Pedro Sá, Marcelo Callado e Ricardo Dias Gomes - Caetano é rock. É mais que rock. É rock tropical, se é que isso existe. Uma mistura de guitarra com violão, por vezes melancólica, em sua maior parte cheia de vigor e energia. Tudo somado ao canto único de Caetano.

Assistir ao show, no Circo Voador, no meu caso, foi assistir Caetano ao vivo pela primeira vez. Sei que isso não é novidade pra ninguém, mas perdoem o deslumbre provocado por uma primeira vez: Que artista! Caetano tem 70 anos. Ontem à noite, sem o menor exagero, parecia ter 50. Ou menos. A impressão é de que Caetano é jovem, sempre foi e sempre será. Com um espírito de idade semelhante aos seus companheiros de banda e ao seu público no Circo. E que lugar melhor para essa comunhão do que o Circo Voador.

Abraçaço, o show, começa com ‘A bossa nova é foda’, entoado de pulso erguido. ‘É o novo grito de guerra’, disse ele. Nas quase duas horas de show, Caetano fala pouco. Comunica-se pela música. E pelo corpo. Seja em gestos contidos no centro do palco de cenografia minimalista (há apenas um quadro com cavalete em fundo negro), seja caminhando enquanto bate nas mãos da turma da primeira fila, dançando empolgado ao som da guitarra de Pedro Sá. Em ‘Abraçaço’, ao fim da música, a banda para de tocar e se ‘esconde’ atrás da figura dele, deixando apenas os braços à mostra, variando poses, emulando uma versão alternativa da capa do disco homônimo.

O espetáculo segue passando por praticamente todas as canções do último disco (apenas ‘Gayana’ ficou de fora) e outras do disco Cê – se bem me lembro, Zii e Zie também acabou fora do repertório. Mas todo o ingresso e calor do Circo Voador já teria valido a pena só por ouvir Caetano tocar ‘Triste Bahia’, raro como é que ele revisite faixas do cultuado CD ‘Transa’ (pelo qual confesso ser completamente apaixonado). Caetano ainda levanta o público com os hits ‘Você não entende nada’, ‘Eclipse Oculto’ e ‘A luz de Tieta’, antes de encerrar com ‘Outro’, também do disco Cê.

Ao fim da noite, resto-me como testemunha de um grande artista não necessariamente em reinvenção, mas em invenção; em plena atividade e com plena vitalidade. Um artista completo: Caetano toca, canta, interpreta e compõe. Um artista jovem sem necessariamente querer ‘pagar’ de jovem; jovem porque é, não porque assim quer parecer. Caetano dobra o tempo ao seu próprio modo. E é um prazer vê-lo e ouvi-lo.  De pé.

Um poema por dia - 16/03 - Deixe que vá

16/03

Deixe que

A sombra do passado
Lhe comove e apavora
Do que sabe do seu lado
Traz e lança mundo afora

Anda consigo, perigo
O abrigo de sentir partido
Perdido, outro mais amigo
A destruir o antigo

Como foste na glória
Filho, neto d'aurora
Corre quente no peito
A saber, seu respeito

Pela vítima ferida,
Bandida
Relegada à despedida
Fugida da própria vida.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Filmes e Memorabilia 2013 - Anna Karenina


62. Anna Karenina – 20/03 - cinema


Por um lado, Anna Karenina é sublime. A escolha do diretor Joe Wright de conduzir a produção com um viés teatral, misturando teatro filmado e cinema proporciona momentos de beleza ímpar como a transição de um cenário que se abre e revela uma paisagem externa na neve ou a linda sequência em que Karenin (Jude Law) rasga um bilhete e os restos de papel jogados no ar se tornam flocos de neve.

De fato, apesar de não seguir regras próprias para o uso dos recursos teatrais, uma vez que Wright parece usá-los quando lhe dá na telha sem necessariamente manter uma coerência, o jogo de cena e técnica de Anna Karenina fascina com seus movimentos arrojados, fotografia estourada e surpreende porque a qualquer momento pode surgir uma sequência mais arrebatadora.

No entanto, o que talvez tivesse potencial para se tornar uma obra-prima acaba aquém do seu potencial. Dois pontos são decisivos para essa impressão.

O primeiro é o roteiro de Tom Stoppard que apesar de belo e possivelmente primoroso para o teatro, no cinema se torna acelerado, como se estivesse correndo para dar conta de um vasto material (semelhante, embora em uma proporção muito menor, com o que aconteceu com ‘Os Miseráveis’). Assim, num momento Anna (Keira Knightley) pensa sobre se entregar ao Conde Vronsky (Aaron Taylor-Johnson), deita-se ao lado do marido, diz ‘é tarde demais’, a luz muda e ela já está fazendo amor com Vronsky. A passagem do tempo é acelerada e muitas vezes me peguei surpreendido por ela. Numa hora Anna está bem, na outra está doente, aparentemente à beira da morte, depois volta a ficar bem e tudo se sucede muito rápido.
 
E sobre o roteiro, apesar de não ter lido o original de Leon Tolstói ou de sequer ter visto qualquer outra adaptação da obra, devo dizer que o arco de Konstantin e Kitty não me disse a que veio.

O segundo ponto é a presença da careteira Keira Knightley como protagonista. Knightley é exagerada e sua atuação chega a ser irritante. A performance da atriz, aliada à ‘correria’ do roteiro, fazem com que simplesmente o espectador não se importe com o destino dos personagens. O que é uma lástima, já que a protagonista é uma grande personagem; uma mulher que ousa enfrentar as convenções conservadoras de sua época (muitas ainda presentes, mesmo que disfarçadas, nos dias de hoje) para viver uma paixão, enfrentando morais, marido, sociedade e possibilidade de perder o filho.

Fica a beleza técnica e todo o esforço de Aaron Taylor-Johnson (um nome que ainda vai crescer muito), o carisma de Matthew Macfayden (Oblonsky, o irmão de Anna) e a performance apropriadamente contida de Jude Law, despindo-se de qualquer aura de galã para compor um tipo humano que foge do estereótipo do marido-poderoso-traído, e único personagem capaz de ultrapassar a barreira da beleza/frieza cênica e chegar ao espectador.

MEMO: As cenas de baile são fantásticas, todas memoráveis, em especial a sequência da dança de Anna e Vronsky.

Um poema por dia - 15/03 - Revisão

15/03

Revisão

Revendo
Relendo
Relembro
O que fui
O que fomos
O que somos
Tomo
Em mãos, lembranças
Momentos, memórias
Retomo
Esperanças
Sentimentos, histórias
Faço agora
A hora
Senhora
Do tempo que nos leva
Embora.

terça-feira, 19 de março de 2013

Um poema por dia - 14/03 - Serei eu

14/03

Serei eu

Não sou assim
Esse aí
Serei eu
Longe daqui

Serei eu
Inevitável eu
Ao gosto do que perdi
No peso do que senti

Serei eu
Ilusão, em sonho
Sorriso, pensante, tristonho
Convicto, invicto

Serei eu
Implacável com o que me negas
Abraçado ao que me entregas

Serei eu
Resguardada esperança
O primeiro da dança

Serei eu.

domingo, 17 de março de 2013

Um poema por dia - 13/03 - Aqui-hoje

13/03

Aqui-hoje

Não queria estar aqui hoje

Ruim é a combinação

Alguns problemas com o aqui
Nada especial para hoje
Os dois juntos, a grande questão

Aqui-hoje
Gostaria de levantar o dedo
Do meio
Ser sincero, voz alta, sem receio
Dizer porque vou pra estrada
Deixar claro, é tudo piada

Violenta, virulenta, nojenta, pestilenta, peçonhenta.

Estou aqui. É hoje.
Hoje aqui não podem se separar
Hoje aqui não era onde eu queria estar.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Um poema por dia - 12/03 - Eu não me arrependo de você

12/03

"Eu não me arrependo de você"


"Eu não me arrependo de você"
Um dia Caetano me falou, cantou
Pra me fazer viver

Ouvi, vivi
Para rever, temer
Me arrepender

E não
E me entregar
Ao meu lugar
São

Em paz, faz
Questão, Paixão
Como mão
No violão

"Eu não me arrependo de você
Você não me devia maldizer..."

terça-feira, 12 de março de 2013

Um poema por dia - 11/02 - O dia virá

11/02

O dia virá

O dia virá
Em que os gritos no silêncio serão
Ouvidos
A voz se calará ante todos os
Pedidos
Música obsoleta em meio a tantos
Ruídos.

O dia virá
E com ele trará
A paz da palavra não dita
Saudade da lembrança antiga
Uma última lágrima contida

O dia virá
Calado, pesado
Sem aviso ou de longa data
Em céu negro ou manhã ensolarada
Levar-te-á pela estrada

O dia virá.

Comentário 'Strangeland', de Keane

Keane não é uma banda grande, no sentido de grande público ou grandes hits. Mas é uma banda de coração. O segundo disco costuma ser tido como um 'tabu' para os artistas, desafiados a lançar um novo trabalho sem deixar cair a qualidade do disco de estreia. Keane chega agora ao quarto disco, Strangeland, depois de Hopes & Fears, Under the Iron Sea e Perfect Symmetry. E chega com um som homogêneo, mais do mesmo.



Essa última afirmação pode despertar duas interpretações. Por um lado, o grupo não evoluiu, não se reinventou - talvez possa se dizer até que não há ousadia. Por outro, a qualidade nunca caiu, nunca foi deixada de lado, o (bom) nível sempre foi mantido. E posso estar falando mais do que sei ou torcendo os argumentos para fazer meu ponto de vista, mas o que me parece é que os caras simplesmente fazem o que sabem fazer. E fazem muito bem.


Pelo menos no Brasil, Keane não me parece uma banda de rádio. Está entre as grandes bandas e as indies. Não à toa na última vez que veio ao Brasil foi para abrir shows do Maroon 5 (que injustiça!) e neste ano a banda volta sem sequer passar pelo Rio de Janeiro. Mas mesmo como filho menos conhecido do britpop, Keane tem seu público fiel, como pude constatar nos dois shows que assisti no Rio de Janeiro (anteriores à vinda do ano passado).

Strangeland vem para trazer mais uma boa dose de belas canções. Confesso que sou arrebatado pela combinação piano/baixo/bateria e o vocal agudo do simpático Tom Chaplin. Em Strangeland, a banda mantém a diversidade com baladas lindas de tão melancólicas (a fantástica Sea Fog, a romântica Watch How You Go, a simpática Black Rain e a bela The Starting Line), que se mesclam a músicas de energia crescente como Day Will Come, Sovereign Light Cafe, Neon River e In Your Own Time; uma energia que explode com On the Road, Disconnected, Silenced by the Night e You Are Young

Sem ser e melhor, sem querer ser, uma banda grande, Keane continua criando e realizando com o coração. E os fãs, como eu, continuam aplaudindo e cantando junto.

Um poema por dia - 10/03 - Fado

10/03

Fado

Me domina e me ilumina
A escolha do meu sangue
É ventura, trama fina
Me toma, me sobra, me lambe

Carregado, condenado
A tudo que falta, História
Ajoelhado, resignado
Meu papel, sem grito, sem vitória

Da tinta vinda pela pena
Liberta, que será também
Me livra e me decifra a cena
Me guia, a me tornar tão bem.

segunda-feira, 11 de março de 2013

Um poema por dia - 09/03 - Ésse

09/03

Ésse

Resplandesce
O sol me agradece
Amanhece
Como se dissesse
"Assim é, se lhe parece"
Ao que acontece
Quando envelhece
Convalesce
Apetece ou interesse
Embevece e encarece
Rejuvenesce
Engrandece
Enriquece ou empobrece
O que carece
De finesse
Que tivesse
Ou pudesse
Só apodrece.

domingo, 10 de março de 2013

Filmes e Memorabilia 2013 - Killer Joe

60. Killer Joe - 09/03 - cinema


Killer Joe é um filme estranho. Sobre gente estranha, bizarra. Já vou avisando, é preciso ter estômago. Uma família americana do Texas que o adjetivo disfuncional não é suficiente para descrever. E que traz como protagonista/antagonista uma figura de autoridade, um detetive, que também é um matador de aluguel e um sujeito perverso até o osso.

Killer Joe é um sopro de criatividade e ousadia na cinematografia recente americana. Não à toa seu realizador é o maldito William Friedkin. Palmas ainda para o roteiro de Tracy Letts, adaptando seu próprio texto teatral. E que texto teatral. No melhor sentido. Sabendo que se trava de um texto de origem teatral, por vezes me peguei imaginando a encenação. 

Um prato cheio para o pequeno grande elenco reunido: Matthew McConaughey, mostrando ser capaz de muito, muito mais do que ser galã de comédias românticas; Emile Hirsch, que usa um interessante tom de voz urrado que por vezes me fez lembrar Leonardo DiCaprio; além das performances não menos entusiasmadas de Thomas Haden Church, Juno Temple e Gina Gershon. Personagens desprezíveis e fascinantes pela sua (des)umanidade, em meio a um mundo muito, muito sujo. É gratificante ver como os atores se apegam a esses tipos, tão raro é ver personagens tão bons convivendo e dividindo espaço em uma produção americana. 'O lado bom da vida', uma ova. Para ver um elenco afinado, texto de qualidade e uma realização que não se vê por aí todo dia, assista a 'Killer Joe'.


Um mundo insano, incômodo e fascinante. Um mundo de senso de humor sombrio. De perversidade e psicopatia. Estava conversando com um amigo. 'Desde o começo você vê que vai dar merda'. Exato. E ficamos esperando, e querendo mais e aguardando pra ver qual merda vai dar e até onde a merda vai.

Com um terceiro ato que cresce em insanidade a cada diálogo, 'Killer Joe' não é fácil. É um filme bizarro, estrano, sujo, nojento até. 

É fantástico.

MEMO: O QUE É A CENA DA COXA DE GALINHA? Ainda estou pasmo. 

Um poema por dia - 08/03 - Por aí

08/03

Por

Estivemos por aí
Been around
È stato intorno
A été autour
Ha sido de alrededor

Estivemos por aí
A cantar, a correr, a curtir
Por aí, lado a lado
Cima-embaixo, cabo-a-rabo

Por aí
A dançar, a comer, a sentir
A sonhar
Por amar
A sorrir

Por aí.

sábado, 9 de março de 2013

Um poema por dia - 07/03 - Te via

07/03

Te via

Eu te via
Por aí, no dia a dia
Antes que fosses rainha
Por perto, sem saber o que tinha

Olhar firme, decidido
Corpo erguido, objetivo
Mulher viajante
Força, beleza, triunfante

Paixão
Não à primeira vista
Ao primeiro toque
Ao primeiro beijo
Desejo

Vivendo com a fome de anos perdidos
Perdendo as feridas de anos vividos

Nunca nos falamos.
Entre anos, nos encontramos. 

Filmes e Memorabilia 2013 - Bananas


58. Bananas – 27/2 - dvd

Antes de 'Annie Hall', Woody Allen parecia estar ainda à procura de sua linguagem no cinema. Em busca de sua expressão, escreveu e dirigiu produções que tinham força pelas suas gags. Um formato que funciona com 'Tudo o que você sempre quis saber sobre sexo...' pela forma episódica e com 'A última noite de Boris Grushenko' pela temática filosófica que perpassa todo o roteiro e a peculiaridade da trama 'histórica'.

Da mesma forma que esses filmes citados, 'Bananas', de 1971, faz parte da fase pré-Annie Hall. Assim, o filme se desenvolve com um roteiro que vai pulando de situação para situação. Num momento Fielding Mellish está atrás de uma namorada. Alguns momentos depois, numa sucessão de acontecimentos absurdos, ele está em uma republiqueta (San Marcos, clara alegoria de Cuba) e, na sequência, torna-se o líder da Revolução.

Apostando especialmente nas gags físicas de Woody Allen (sempre muito inspirado também neste quesito), o filme tem sua graça, em especial a partir do momento que Fielding Mellish se envolve com a guerilha (a cena das compras de alimentos para a tropa é hilária) e depois, quando se torna o líder - barbudo - que vai vai aos EUA. 

No entanto, no geral, ainda é um esboço tímido do grande artista que Woody se tornaria ao longo das décadas.

MEMO: A abertura (antes mesmo dos créditos) é impagável, trazendo um jornalístico da televisão transmitindo o golpe militar ao vivo - com apoio americano, é claro - e presença do próprio Howard Cosell.

Um poema por dia - 06/03 - Lágrimas de anjo

06/03

Lágrimas de anjo

Anjo,
Esta noite me ponho a te escrever
Me atrevo
Confesso não sei mais o que dizer
Escrevo

Conto mais uma vez o sofrimento dela
Olhos inchados, voz embargada
O amor de seu primeiro filho gela
Sente-se vazia invisível, derrotada

Ouço seu lamento quieto, silencioso
Sofre sem carinho, sem sorriso, sem cuidado
Sente a mágoa viva em teu discurso oficioso
Ferida por palavras e olhares de teu lado

Pudera eu rever-te ontem e entender
Pudera eu lhe dar meu corpo para esquecer
Poder, não posso
Me esforço

Também carrego dores em minha alçada
Esta noite choro horrores na estrada

Rasgo a voz até me doer a garganta
Pra ver se me acalma, me esfria
Evocando força, imploro, me arranca
A lágrima que é dela, faz minha

Haverá culpado? E que importa?
Uma vez caçada, a fera morta? 

Por isso lhe peço que perdoe enquanto tempo
Pense uma vez mais no assunto, a seu momento

Peço que não a faça sofrer
Que tente de novo
Penso que não é muito a dizer
Tente de novo

Que possa recomeçar de pouco em pouco
Trazendo um sorriso, um beijo, um abraço
Que a tire da amargura, tristeza, do sufoco
Respondendo seu apelo, retomando o frágil laço.

sexta-feira, 8 de março de 2013

Um poema por dia - El bolivariano - 05/03

05/03

El bolivariano

Bolivariano,
Homem, líder humano
Comandante libertário
Filho revolucionário

Bolivariano,
Fizeste o tempo caminhando
Por justiça, paz e igualdade
Pela vida, povo, comunidade

Bolivariano,
Uma perda sem tamanho
Um guerreiro da História
Parte e voa pra memória.

Filmes e Memorabilia 2013 - O voo

57. O voo – 27/2 – cinema


Retorno de Robert Zemeckis ao live action, 'O voo' é um conto sobre os desdobramentos de um acidente de avião na vida do piloto que salvou o dia, no caso, o viciado Whip Whitaker (Denzel Washington). Em sua abordagem a caminho da suposta redenção, o filme esbarra no moralismo - e desculpe o linguajar, mas é uma sacanagem o Oscar não se tocar de que o clipe da indicação de Denzel na noite de premiação entregava a grande resolução do filme.

A pegada moralista que surge do meio para o fim é uma pena, porque 'O voo' vem bem desenvolvido. Ainda que o início do arco da personagem Amanda (Kelly Reilly), com a overdose contraposta ao acidente de avião - a overdose de Whip? - seja totalmente desnecessário.

O conto moral de Whip Whitaker tem uma premissa fascinante. Qual é o tamanho da culpa de um herói que estava sob efeito de álcool e drogas no momento de seu ato heróico? 

Personalizando o conflito e aparecendo em quase todas as cenas está Denzel, um ator pelo qual tenho muita estima. Acho fantástico o nível de carisma que ele possui na tela e o modo como domina completamente suas cenas. Há quem diga que Denzel interpreta sempre da mesma forma. Entendo o argumento, mas acho que se trata de outra questão. 

Já manifestei aqui o quanto acho uma pena que ele tenha se restrito a filmes de ação medíocres onde, aí sim, interpreta sempre o tipo fodão. Mas no geral, admiro Denzel porque ele me convence em personagens complexos sem grandes artifícios de caracterização de sua imagem. Ele está basicamente sempre com o mesmo cabelo, a mesma cara, o mesmo físico. O que muda é o que está por dentro. É quase teatral.

E foi justamente Denzel que me fez sair do cinema mais inclinado a conceituar 'O voo' como um bom filme, apesar da guinada moralista. Porque mesmo com a cara e o carisma de sempre, Denzel é fodão.

MEMO: A participação de James Badge Dale como um doente terminal é tão estranha quanto marcante; e toda a sequência do acidente de avião vai fazer você ter medo de embarcar durante algum tempo.