Encruzilhada

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segunda-feira, 1 de abril de 2013

Um poema por dia - 10 poemas favoritos (jan/fev/mar)

Pelo projeto 'Um poema por dia', já foram 90 poemas escritos em 2013. Selecionei dez favoritos destes três primeiros meses.



1. 02/01 - Faces

Faces, faces, que fazes, que fazem?

São como fases as faces,
Fases da rua, faces na rua
Nenhuma minha, todas suas.

Faces na tela, na calçada,

de passagem em movimento.

Faces a caminho da minha direção

Ou na direção do meu caminho.

Faces que me encaram

Faces que me olham
Faces, teu, do mundo
Faces, fases, me devoram.

2. 14/01 - Tenho estado

Tenho estado
Meio relaxado
Meio baleado
Assim, meio de lado
Jogado, rolado, deixado
Como que mareado
Ou mesmo relegado
Renegado, encostado
Apavorado e assustado
Sendo anestesiado
Subestimado, aqui deitado
Ainda que solucionado
Cá estou, acorrentado
Quase que resignado
Com o atestado acertado
Comunicado e publicado
E eu, mal-frequentado
Comissionado e condenado
Ando meio desligado.

Tenho estado
Meio parado
Admito, acomodado
Por demais sossegado
E entediado
E endiabrado
Aqui, trancado
Como um exilado
E ainda excitado
Sendo transformado
Logo perturbado
Muito mal-falado
Quase nem citado
Tão pouco lembrado
Tudo que foi dado
Não foi reclamado
Está terminado
E abandonado
Deixa perdoado
Ando meio desligado.

3. 21/01 - Um dia a menos ou um dia a mais...

And here it is, another day
A day, another, and so I say
I say, I feel, within my pain
And so the pain, the day again
Again it starts, come clouds and rain
This rain that brings my time to pay
And pay I do, with days the same
The same as now and yesterday
A day, once more, about to fade
About the faith, about the fate
My fate is mine and so I lay
I lay and got myself to blame
Blame one more day, another day.

4. 23/01 - Encontro, um poema-conto

Entrou no elevador e lá estava

O homem alto, calvo, de barba.
Era velho. Olhos mansos, traços finos, familiar
Do tipo que o fez parar, do tipo que o fez pensar
Conhecia o velho de algum lugar.
Talvez do bairro, da região
Não.

Era familiar; até demais.

Estava de pé, como um retrato do tempo
Imaginar isso, quem seria capaz?
Ter diante de si um futuro momento!

Quis saber das verdades que tinha pra si

Dos sonhos que queria cumprir
De tudo que lhe tinha feito sorrir

Saber um pouco mais do mundo

O que foi feito, o que foi desfeito, o que aconteceu.
Olhar pra si de um modo mais profundo
Que fim levara, durante os anos, tudo que conheceu?

Como estarão vivendo a família, os amigos, o amor?

O que estará fazendo, quando velho, naquele dia, no elevador?

Pensou no que falar; pensou em perguntar

Pensou, pensou e pôs-se apenas a pensar
O elevador parou; chegara ao seu andar
Partiria sem pergunta, resposta ou solução.
Viu a porta se fechar, assoviou uma canção.
Tinha o corpo a carregar, lhe pesou o coração.

5. 16/2 - O mergulho

Posso ouvir o barulho
Posso ouvir o mergulho

Entre a multidão de sons da minha tarde
Posso ouvir o mergulho
Me hipnotiza
Me tranquiliza

Posso ouvir o mergulho
Em contínua melodia
Uma breve sinfonia

Ouço e não deixo de ouvir
Ouço e estou maravilhado
Ouço o mergulho a prosseguir
Ouço e estou quase apaixonado

O som se cala, fala o sentimento
Por uma tarde, por um momento
Quase posso ver, posto a imaginar
É meu o mergulho, sou eu a mergulhar.

6. 24/2 - O poeta e a rainha

Escrevo a vida a dois
E deixo pra depois
Tudo que puder ser

Escrevo pois
Em linhas boto que sois
O que não encontro no saber

Sua inconstância, seu mistério
Seu poder de surpreender
O semblante fechado, sério
A postura de uma dama do poder

Do poder de si, ti
Mulher rainha que se vê na vida
E ainda para pra sorrir
Mulher menina amante mais querida.

7. 04/03 - beijo

Há pouco tinham se visto
Uma única vez, numa noite de verão
Ele com outra, ela também
Jantares, olhares, por entre o salão

Logo mais, mais hora depois
Nos fundos, as mãos ele lavava
Ergueu os olhos, se viu a dois
Olhou pra ela, ela ali estava

Chegaram perto, se aproximaram
Olhar com olhar, não se falaram
Coração entregue, acelerado
E o tempo, por um instante, parado

Ele caminha, ela se chega
Num passo, num véu de delicadeza
Olhos fechados, distância nenhuma
Lábios nos lábios e a boca, uma

Um beijo, a fantasia, naquele curto segundo
Um beijo, isolados, sozinhos no mundo
Respiro ofegante, força diletante
Um beijo desfeito, perfeito, relance de amante

Olhos abertos, de volta pra Terra
Corpos de soltam, retorna a razão
O mais breve caso de amor se encerra
Um beijo deixado numa noite de verão.

8. 06/03 - Lágrimas de anjo

Anjo,
Esta noite me ponho a te escrever
Me atrevo
Confesso não sei mais o que dizer
Escrevo

Conto mais uma vez o sofrimento dela
Olhos inchados, voz embargada
O amor de seu primeiro filho gela
Sente-se vazia invisível, derrotada

Ouço seu lamento quieto, silencioso
Sofre sem carinho, sem sorriso, sem cuidado
Sente a mágoa viva em teu discurso oficioso
Ferida por palavras e olhares de teu lado

Pudera eu rever-te ontem e entender
Pudera eu lhe dar meu corpo para esquecer
Poder, não posso
Me esforço

Também carrego dores em minha alçada
Esta noite choro horrores na estrada

Rasgo a voz até me doer a garganta
Pra ver se me acalma, me esfria
Evocando força, imploro, me arranca
A lágrima que é dela, faz minha

Haverá culpado? E que importa?
Uma vez caçada, a fera morta? 

Por isso lhe peço que perdoe enquanto tempo
Pense uma vez mais no assunto, a seu momento

Peço que não a faça sofrer
Que tente de novo
Penso que não é muito a dizer
Tente de novo

Que possa recomeçar de pouco em pouco
Trazendo um sorriso, um beijo, um abraço
Que a tire da amargura, tristeza, do sufoco
Respondendo seu apelo, retomando o frágil laço.

9. 07/03Te via

Eu te via
Por aí, no dia a dia
Antes que fosses rainha
Por perto, sem saber o que tinha

Olhar firme, decidido
Corpo erguido, objetivo
Mulher viajante
Força, beleza, triunfante

Paixão
Não à primeira vista
Ao primeiro toque
Ao primeiro beijo
Desejo

Vivendo com a fome de anos perdidos
Perdendo as feridas de anos vividos

Nunca nos falamos.
Entre anos, nos encontramos.

10. 26/03 - Da janela do mundo

Vem, 
Se acende e se liga pra mim
Convence que é melhor assim
Sabendo sem sair do sofá
Parado no mesmo lugar

Vem,
Me conhece e me olha de perto
Me doutrina, me diz o que é certo
Ideologia é informação
DI-VER-SÃO
Divergir, divertir
Me conquista, me deixa entretido
Me derruba, me torna vencido
Conformismo e dominação
Condição

Vem, 
Me faz rir, me descansa a cabeça
Vai, me vende mais uma cerveja
Me diz o que ouvir
O que sentir
Me fala o que pensar
Em quem votar
Me ensina como ver
Como viver

Vem,
Me enterra que eu fico feliz
Me fala 'foi você quem me quis'
Me dá mais um reality show
Fala comigo e me diz o que eu sou.