Encruzilhada

Encruzilhada

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Filmes e Memorabilia 2013 - Reality - A grande ilusão


74. Reality – A grande ilusão – 08/05 – Cinema


Depois de ‘Gomorra’, Matteo Garrone dirige – e escreve, com outros três roteiristas – esta comédia com ares fantasiosos, passada em Nápoles, sul da Itália, vencedora do Grande Prêmio do Júri de Cannes em 2012.

A fabulosa primeira sequência traz uma panorâmica do alto da cidade se aproximando cada vez mais do chão até focar e seguir uma carruagem, puxada por dois cavalos brancos. São noivos a caminho do casamento, a ser realizado (junto a outros tantos) em um espaço de festas tão suntuoso quanto espalhafatoso. ‘Reality’ se passa no mundo ‘real’, mas a todo tempo de olho no pitoresco.


Garrone usa cores fortes e personagens extravagantes, porém todos extremamente reais, para formar um retrato da (sub)cultura produzida através da televisão na Itália (e em muitos outros países do mundo moderno).

Apesar de resvalar no que talvez possa ser considerado um elitismo (como se apenas o pobre participasse do culto à celebridade), o diretor prepara um leque de críticas na sua fábula crítica. Toda a caracterização da família do protagonista, por exemplo, é muito bem feita: da obesidade aos programas de lazer, passando pelo figurino e também pelo gosto musical, tudo a serviço da ironia do realizador em relação à alienação da classe mais popular.


Outro ponto interessante é como o fervor cego do protagonista Luciano (Aniello Arena, já chego nele) por entrar no Big Brother italiano pode ser comparado a uma adição às drogas – o personagem chega a um desequilíbrio psicológico – ou a um fervor de uma crença religiosa.

Garrone inclui ainda a observação (sempre sutil e metafórica) de como, mesmo fora da televisão, o personagem se preocupa com a imagem que passa para os outros, por conta de seu desejo de tornar-se célebre. É o oposto do personagem – infelizmente – pouco desenvolvido de Roberto Beningni em ‘Para Roma com Amor’, apesar de que lá, ao fim de seu ciclo de fama, o personagem sentia falta de todo o circo ao seu redor.

Pra encerrar, falemos de Aniello Arena, um ótimo ator que é também um presidiário cumprindo pena no presídio de Volterra. Aniello foi condenado à prisão perpétua por assassinar três bandidos a serviço da máfia. E no presídio, conheceu o teatro com o grupo ‘Fortress’, dirigido por Armando Puzo (num processo parecido com o conduzido por Fabio Cavalli no presídio de Rebibbia, mostrado e encenado no soberbo ‘César deve morrer’). Depois de hesitar bastante, Arena abraçou o ofício, e desde então trabalha com o grupo.

Em ‘Reality’, Arena interpreta o personagem central, e apresenta um trabalho esplêndido. Com olhos vivíssimos o tempo todo em cena, o Luciano de Aniello Arena é o principal vetor de toda crítica disparada por Garrone ao culto da celebridade, e ainda assim é uma figura de simpatia ímpar.

Adotando um tom quase fabulesco e filmando com uma câmera móvel, porém sem nunca perder a elegância de seus longos planos, Matteo Garrone ilumina a tela com uma fábula relevante que exerce um comentário muito pertinente acerca não só da sociedade italiana, mas da contemporânea como um todo. Não à toa, o plano que encerra o filme aponta que o Cinecittá, lendário complexo de estúdios que já recebeu as filmagens das obras dos mestres do Neo-realismo italiano, também abriga a ‘casa mais vigiada da Itália’.

MEMO: (ATENÇÃO: O TRECHO A SEGUIR REVELA UM EPISÓDIO IMPORTANTE DO ENREDO) A sequência em que Luciano invade a casa do Gran Fratello e passeia por ela, quase como um espírito (seria uma alucinação?), rindo, rindo e rindo.