Encruzilhada

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quarta-feira, 5 de junho de 2013

Filmes e Memorabilia 2013 - Faroeste Caboclo

78. Faroeste Caboclo – 31/05 – Cinema


Achei ‘Faroeste Caboclo’ um bom filme. 

Bem conduzido, filmado (pelo estreante René Sampaio), fotografado (Gustavo Hadba), é um dos raros exemplares brasileiros que alia personalidade artística com potencial de bilheteria (pode anotar: será um dos maiores sucessos do ano). E possui ainda uma grande relevância para a mitologia do cinema nacional ao trazer um protagonista '(anti)herói’ negro, algo raro no Brasil. Mas a música ‘Faroeste Caboclo’....é épica, talvez uma obra-prima - quem sou eu para dizer, mal conheço a obra de Renato Russo; mas esta canção arrebata de primeira e me arrebatou quando moleque; lembro dos adolescentes no ônibus do time de natação do Fluminense, do qual eu fazia parte, lembrando verso por verso a história de João de Santo Cristo cantada em 9 minutos pela Legião Urbana.

Por ser uma adaptação, ‘Faroeste...’ pode sofrer, ao ser analisado, as consequências de uma contradição: sendo uma produção baseada em uma criação de outra mídia, a comparação entre original e adaptação pode ser encarada como injusta; por outro lado, a obra originada dá a cara a tapa ao carregar o nome da obra original e ter esse dado como trunfo de toda sua divulgação, beneficiando-se das conquistas da canção – especialmente a base de fãs que fez do trailer um hit no you tube e do filme, um blockbuster levando mais de 500 mil pessoas ao cinema em seu primeiro fim de semana em cartaz.

No resultado da comparação inevitável, vejo ‘Faroeste Caboclo’ saindo-se como um bom filme. Aquém do potencial da música, no entanto. A música de Renato traça a história de João de Santo Cristo. Na música, personagens como Jeremias e Maria Lúcia, apesar de decisivos para o destino do protagonista, surgem do meio para o fim da história; no filme, Jeremias (Felipe Abib) e Maria Lúcia (Ísis Valverde) já são apresentados desde o início, intercalados com João (Fabrício Boliveira). Essa opção é compreensível já que, enquanto adaptação, estamos falando de cinema e não literatura (ou uma saga contada em música...) mas é uma escolha que, na minha opinião, enfraquece os personagens de Abib e Ísis (por consequência do roteiro e não pelo bom trabalho dos atores) e acaba centrando mais a história no triângulo e no romance de João e Maria Lúcia, o que compromete parte do potencial narrativo, já que é a saga de João que é tão fascinante. 

Jeremias, que sempre imaginei como um traficante mais casca grossa, um tipo mais velho, quase um coronel – durante muito tempo achei que Jeremias era, inclusive, o sujeito que propunha a João ‘botar bomba em banca de jornal’ – vira um playboy traficante quase caricato de tão malvado (mas defendido com visceralidade por Abib, vale ressaltar). E Maria Lúcia, que tinha um caráter extremamente misterioso e ambíguo na música – por que mesmo que ela troca João por Jeremias, alguém conseguiu descobrir? – aqui é uma personagem apática que, apesar da boa presença de Ísis, enfraquece o andamento do filme por seu demasiado tempo de tela.

Que bom então que é acertadíssima a escolha do ator para personificar o excelente personagem que é (e continua sendo, no filme) João de Santo Cristo. Fabrício Boliveira é tão bom que o roteiro poderia ter ousadia maior e desenvolver mais o lado criminoso do personagem (que ‘quando criança só pensava em ser bandido’) e ainda assim, lamentaríamos por ele (como fazemos na canção).

Contando ainda com uma ambientação muito bem feita e ótimos coadjuvantes (Antonio Calloni, Cesar Troncoso – o Dustin Hoffmann uruguaio – e Rodrigo Pandolfo - aqui sub-aproveitado), o diretor René Sampaio acerta muito ao criar uma atmosfera muito apropriada de faroeste moderno através de cores, música, clima e enquadramentos.

Acho que a narração em off é dispensável (por vezes não se entende o que Fabrício narra por conta do som background muito alto), que as cenas de sexo são quase constrangedoras de tão gratuitas (por que a atriz bonitinha sempre tem que mostrar o peito? – pergunta retórica, eu sei o porque) e que há um detalhe mal resolvido no confronto final (aqui, João não toma o tiro pelas costas; a coisa fica estranha). 

Mas ‘Faroeste...’ acaba sendo muito feliz não só por criar uma obra adaptada de qualidade e relevância artística (ainda que aquém do potencial do original) como também por conseguir a proeza de, mesmo sem tocá-la até o início dos créditos finais, deixar a música na qual se baseou na cabeça do espectador que a conhece durante as duas horas de projeção, criando um interessante jogo interativo do tipo: ‘ah, essa é aquela parte; ih, isso não tinha na música não; etc’. E como é gostoso, ao fim da sessão, poder revisitar a canção ainda no cinema.

Acima de qualquer problema estrutural, ‘Faroeste Caboclo’, o filme, é a afirmação do surgimento de um novo talento para o cinema brasileiro (René Sampaio), da obra de Renato Russo e da força da história de João de Santo Cristo.

MEMO: A transição inicial com a câmera no balde fazendo a transição de João criança para João adulto já mostra a que o filme veio; as cenas de João chegando à Brasília iluminada da época de Natal são lindas; e apesar do duelo final ter essa questão citada acima, a cena é memorável.

Trailer