Encruzilhada

Encruzilhada

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Por todas despedidas

Todo adeus é um pouco de morte
Fecho a porta um pouco mais de perto
Um pouco mais farto da sorte
Porque o fim é sempre certo.

É preciso ser forte.



quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Ícaro em Nova York

Aqui é um sonho louco
Uma voz surda cantando rouco

Sereia
Que te beija, te morde
E te deixa na areia;
Que te machuca e te socorre
Te enfeitiça e te destrói
Um sorriso por quem se morre
Que a morte no sonhar não dói;

Entre as dores e os amores
As flores e os horrores
Aqui é alguém que te apaixona
E te faz crer tudo possível
E o impossível
Provável
Quando não inevitável;
Para então partir.
Adeus, amar, vou subir.

E eu cá, mais um enfeitiçado
Perto demais do sol
Sou abandonado
Querendo pra mim o céu
E só me resta um não.
Volto. Volto e logo caio
Caio de volta no meu chão.

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Hollywood. Racismo. E Star Wars.


Eu estava no processo de seleção para os NY Neo-Futurists, uma companhia de teatro experimental em Nova York, e num intervalo do fim de semana de workshop um colega, também no processo, me disse:

- Eu fiquei surpreso de você ser o único não-branco da seleção. Eles normalmente tem mais diversidade.

Os Neos, com quem eu acabei trabalhando – não como performer, mas como estagiário – realmente tem uma composição plural e diversa. Entre o seu elenco há brancos, negros, gays, latinos, judeus… Mas naquela seleção eu era realmente o único ‘não-branco’. Mais importante: naquele dia eu compreendi que, nos Estados Unidos, eu não era branco.

Olhe a minha foto neste perfil. No Brasil, eu nunca me declararia diferente de branco. Acho que seria até ofensivo se o fizesse. Mas perspectiva é tudo, e nada como estar longe de tudo que você sempre foi para uma boa mudança de perspectiva. Porque com a consciência da minha ‘morenidade’ nos EUA veio uma ruptura com os paradigmas e as referências de uma vida inteira.

Quando criança, eu brincava de ser herói de filmes de ação. Eu fingia ser o Bruce Willis, o Van Damme, o James Bond. Todos homens brancos – no Brasil, nos Estados Unidos, ou em qualquer outro lugar. Hoje me pergunto, se eu fosse de fato um ator latino trabalhando nos EUA (o que não sou, e talvez nunca o tenha sido de fato), quais seriam os papéis que eu poderia almejar?

Provavelmente por um questionamento parecido, embora com muito mais experiência como ator nos EUA, Dylan Marron, um artista de origem venezuelana – e membro dos aqui já citados NY Neo-Futurists – criou um Tumblr que virou manchete do BuzzFeed dia desses. Em Every Single Word ele produz uma série de vídeos compilando todas as falas de personagens de cor (leia-se ‘não-brancos’) em determinados filmes populares americanos. O resultado são peças curtas que evidenciam o padrão Hollywoodiano em que atores de ascendência morena ou asiática são relegados a pontas ou estereótipos, muitas vezes com um personagem que sequer nome tem.

Quando questionado sobre possíveis propostas dos Estados Unidos, o argentino Ricardo Darín explicou em uma entrevista que recusou um papel em ‘Chamas da Vingança’, com Denzel Washington, por se tratar de um traficante de drogas. Wagner Moura já declarou ter recusado papéis semelhantes. Wagner acabou estreando em Hollywood em ‘Elysium’, onde interpretava um contrabandista. Agora encarna Pablo Escobar na série de José Padilha para a Netflix. Uma rápida olhada na filmografia de Javier Bardem e Rodrigo Santoro nos EUA mostra que eles também já fizeram suas cotas de traficantes, assassinos, criminosos e bandidos em geral, além do estereótipo do amante latino. E estamos falando apenas dos estrangeiros.

Lembro de uma outra entrevista, do ator britânico David Oyelowo, negro, na qual ele conta como falou ao filho sobre seu novo trabalho no cinema e, antes de lhe dizer que seria o protagonista, ouviu do menino: ‘Você vai ser o melhor amigo do personagem principal?’. Na mesma entrevista Oyelowo deixa claro: “A única maneira de eu pegar um papel protagonista num grande filme de estúdio é se o Ryan Gosling não puder ser fazer. Se for um papel que não necessariamente tenha que ser negro, não vai pra mim. Simplesmente não vai”. Em uma conversa com Charlie Rose, Oyelowo ainda vai mais fundo no problema, atestando como as poucas exceções que existem, como Denzel Washington, fazem a sociedade relaxar, e como os tomadores de decisão são uma das raízes do problema, por darem preferência a quem se parece com eles.

Se o estudo de Dylan Marron revela a escassez de papéis para atores ‘não-brancos’, há um teste mais famoso que desmascara o sexismo por trás das histórias contadas no cinema estadunidense. Um filme passa no Bechdel se for aprovado em três critérios: a) possuir pelo menos duas personagens femininas com nome; b) que falem uma com a outra em algum momento; c) sobre algum outro assunto que não um homem. E a quantidade de reprovados é assustadora.

As duas análises provavelmente não teriam resultados muito diferentes no Brasil. Apesar de as novelas oferecerem um equilíbrio na oferta de papéis para mulheres (brancas), negros e negras ainda são em forte quantidade escalados para personagens estereotipados ou com menor importância. Minha impressão é que, comparado ao que vejo na mídia dos Estados Unidos, ainda falamos muito pouco sobre o assunto, embora o façamos como nunca antes e cada vez mais. Não à toa, o documentário de ‘A negação do Brasil’, de Joel Zito Araújo, sobre o negro na teledramaturgia brasileira, segue super atual quase quinze anos depois do seu lançamento. 

No entanto, voltando aos Estados Unidos, eis que no meio disso tudo surge o novo capítulo da franquia Star Wars, possivelmente o maior filme do ano. No lugar do trio de protagonistas brancos dos anos 70 (Harrison Ford, Carrie Fisher e Mark Hamill) ou dos anos 2000 (Ewan McGregor, Hayden Christensen e Natalie Portman), os produtores escalaram uma trinca formada por uma atriz branca (Daisy Ridley), um ator de ascendência latina (o guatemalteco Oscar Isaac), e um ator negro britânico (John Boyega). A escalação de Boyega como um Storm Trooper chegou a gerar uma breve polêmica racial entre alguns fãs da saga. O ator respondeu escrevendo no Instagram: ‘A quem se importa com isso, acostumem-se’. 

E a democracia racial dos vindouros filmes da série parece ser uma linha que será seguida não só nos próximos episódios desta nova trilogia, como também nos filmes derivados, os chamados spin-offs. O primeiro deles, Star Wars Anthology: Rogue One, já tem no elenco a atriz Felicity Jones, além de Forest Whitaker (negro), Diego Luna (mexicano) e Riz Ahmed (britânico com ascendência paquistesa).