Encruzilhada

Encruzilhada

Poemas de março

Projeto 'Um poema por dia em 2013'

01/03

na rede

Chega com jeito mansinho, me leva
Me pega no leve balanço à beira-mar
Me entrega ao mundo por trás da minha janela
Carregado no sono, me bota noutro lugar

Com cheiro de sal, som de ressaca
Me transfaz em índio ao relento
Debaixo do céu nublado, em meio à mata
Sou conquistador de estrelas enquanto amigo do vento.

02/03


Nada aos pedaços

Chuva vem me acolher em seus braços
Envolve e me reúne aos pedaços
No encontro de rio com mar
É com um sopro pelo ar
Que me chega o vento
Trazendo notícias do tempo
Grãos brancos de esquecimento
Vem pra enterrar tudo que fizemos
Arauto de lembrar de onde viemos
E o que somos
Alguns poucos tomos
Lidos em um segundo resoluto
Nota de pé na história disso tudo.

03/03


Jangadajangadeiro

Jangadeiro, jangadeiro
Jangadeiro só;

Jangadeiro, jangadeiro
Debaixo do sol;

Jangadeiro, jangadeiro
Desfaz vela em nó;

Jangadeiro, jangadeiro
Segue no farol.

04/03


beijo

Há pouco tinham se visto
Uma única vez, numa noite de verão
Ele com outra, ela também
Jantares, olhares, por entre o salão

Logo mais, mais hora depois
Nos fundos, as mãos ele lavava
Ergueu os olhos, se viu a dois
Olhou pra ela, ela ali estava

Chegaram perto, se aproximaram
Olhar com olhar, não se falaram
Coração entregue, acelerado
E o tempo, por um instante, parado

Ele caminha, ela se chega
Num passo, num véu de delicadeza
Olhos fechados, distância nenhuma
Lábios nos lábios e a boca, uma

Um beijo, a fantasia, naquele curto segundo
Um beijo, isolados, sozinhos no mundo
Respiro ofegante, força diletante
Um beijo desfeito, perfeito, relance de amante

Olhos abertos, de volta pra Terra
Corpos de soltam, retorna a razão
O mais breve caso de amor se encerra
Um beijo deixado numa noite de verão.

05/03


El bolivariano

Bolivariano,
Homem, líder humano
Comandante libertário
Filho revolucionário

Bolivariano,
Fizeste o tempo caminhando
Por justiça, paz e igualdade
Pela vida, povo, comunidade

Bolivariano,
Uma perda sem tamanho
Um guerreiro da História
Parte e voa pra memória.

06/03



Lágrimas de anjo

Anjo,
Esta noite me ponho a te escrever
Me atrevo
Confesso não sei mais o que dizer
Escrevo

Conto mais uma vez o sofrimento dela
Olhos inchados, voz embargada
O amor de seu primeiro filho gela
Sente-se vazia invisível, derrotada

Ouço seu lamento quieto, silencioso
Sofre sem carinho, sem sorriso, sem cuidado
Sente a mágoa viva em teu discurso oficioso
Ferida por palavras e olhares de teu lado

Pudera eu rever-te ontem e entender
Pudera eu lhe dar meu corpo para esquecer
Poder, não posso
Me esforço

Também carrego dores em minha alçada
Esta noite choro horrores na estrada

Rasgo a voz até me doer a garganta
Pra ver se me acalma, me esfria
Evocando força, imploro, me arranca
A lágrima que é dela, faz minha

Haverá culpado? E que importa?
Uma vez caçada, a fera morta? 

Por isso lhe peço que perdoe enquanto tempo
Pense uma vez mais no assunto, a seu momento

Peço que não a faça sofrer
Que tente de novo
Penso que não é muito a dizer
Tente de novo

Que possa recomeçar de pouco em pouco
Trazendo um sorriso, um beijo, um abraço
Que a tire da amargura, tristeza, do sufoco
Respondendo seu apelo, retomando o frágil laço.

07/03

Te via


Eu te via
Por aí, no dia a dia
Antes que fosses rainha
Por perto, sem saber o que tinha

Olhar firme, decidido
Corpo erguido, objetivo
Mulher viajante
Força, beleza, triunfante

Paixão
Não à primeira vista
Ao primeiro toque
Ao primeiro beijo
Desejo

Vivendo com a fome de anos perdidos
Perdendo as feridas de anos vividos

Nunca nos falamos.
Entre anos, nos encontramos.


08/03


Por 

Estivemos por aí
Been around
È stato intorno
A été autour
Ha sido de alrededor

Estivemos por aí
A cantar, a correr, a curtir
Por aí, lado a lado
Cima-embaixo, cabo-a-rabo

Por aí
A dançar, a comer, a sentir
A sonhar
Por amar
A sorrir

Por aí.

09/03


Ésse
Resplandesce

O sol me agradece
Amanhece
Como se dissesse
"Assim é, se lhe parece"
Ao que acontece
Quando envelhece
Convalesce
Apetece ou interesse
Embevece e encarece
Rejuvenesce
Engrandece
Enriquece ou empobrece
O que carece
De finesse
Que tivesse
Ou pudesse
Só apodrece.

10/03


Fado

Me domina e me ilumina
A escolha do meu sangue
É ventura, trama fina
Me toma, me sobra, me lambe

Carregado, condenado
A tudo que falta, História
Ajoelhado, resignado
Meu papel, sem grito, sem vitória

Da tinta vinda pela pena
Liberta, que será também
Me livra e me decifra a cena
Me guia, a me tornar tão bem.

11/02


dia virá

O dia virá
Em que os gritos no silêncio serão
Ouvidos
A voz se calará ante todos os
Pedidos
Música obsoleta em meio a tantos
Ruídos.

O dia virá
E com ele trará
A paz da palavra não dita
Saudade da lembrança antiga
Uma última lágrima contida

O dia virá
Calado, pesado
Sem aviso ou de longa data
Em céu negro ou manhã ensolarada
Levar-te-á pela estrada

O dia virá.

12/03


"Eu não me arrependo de você"

"Eu não me arrependo de você"
Um dia Caetano me falou, cantou
Pra me fazer viver

Ouvi, vivi
Para rever, temer
Me arrepender

E não
E me entregar
Ao meu lugar
São

Em paz, faz
Questão, Paixão
Como mão
No violão

"Eu não me arrependo de você
Você não me devia maldizer..."

13/03

Aqui-hoje

Não queria estar aqui hoje

Ruim é a combinação

Alguns problemas com o aqui
Nada especial para hoje
Os dois juntos, a grande questão

Aqui-hoje
Gostaria de levantar o dedo
Do meio
Ser sincero, voz alta, sem receio
Dizer porque vou pra estrada
Deixar claro, é tudo piada

Violenta, virulenta, nojenta, pestilenta, peçonhenta.

Estou aqui. É hoje.
Hoje aqui não podem se separar
Hoje aqui não era onde eu queria estar.

14/03

Serei eu

Não sou assim
Esse aí
Serei eu
Longe daqui

Serei eu

Inevitável eu
Ao gosto do que perdi
No peso do que senti

Serei eu

Ilusão, em sonho
Sorriso, pensante, tristonho
Convicto, invicto

Serei eu

Implacável com o que me negas
Abraçado ao que me entregas

Serei eu

Resguardada esperança
O primeiro da dança

Serei eu.

15/03

Revisão


Revendo

Relendo
Relembro
O que fui
O que fomos
O que somos
Tomo
Em mãos, lembranças
Momentos, memórias
Retomo
Esperanças
Sentimentos, histórias
Faço agora
A hora
Senhora
Do tempo que nos leva
Embora.

16/03

Deixe que 

A sombra do passado

Lhe comove e apavora
Do que sabe do seu lado
Traz e lança mundo afora

Anda consigo, perigo

O abrigo de sentir partido
Perdido, outro mais amigo
A destruir o antigo

Como foste na glória

Filho, neto d'aurora
Corre quente no peito
A saber, seu respeito

Pela vítima ferida,

Bandida
Relegada à despedida
Fugida da própria vida.

17/03

pedido


Espero

Enquanto quero
Decifrar, traduzir
O anseio de sentir
Pedir
Sua mão na minha
Então, sozinha
Agora tem
O que não tive
Mais ninguém
Porém
Com mão tem coração
Calor, suor, sangue
Amor, o próprio transe
Em vias de união
Quer
Dormir
Acordar outra mulher.

18/03

Visitante
Está por perto

Incerto
Sempre correto, aberto

Fascínio, pavor

Fascina o horror

Desconhecido

Vez nascido
Vem, castigo

Leva onde se for

Encerra, faz sumir
Carrega toda dor
Descanso, paz, partir.

19/03


magia de todos os dias


Eu acredito em magia

Magia no que é do dia a dia
Um momento qualquer
Sequer
Transformado incrível
Feito inesquecível

Magia não é de fora

Penso, crio e arrebato agora
Vem de dentro
Centro
Espírito, vontade, coração
Peço lincença, entro
Minha magia, escolha, minha razão.

20/03


primeira mordida da maçã pode ser um coração


Começa com uma mordida

Revela um coração
A carne aberta, ferida
A pele sangra, paixão

Vermelha, sensual

Brilhosa, brilhante
Molhada, suada
Excitada, excitante

Encontro de boca; de novo, novamente

Gosto amargo, sabor de terra;
Fruto proibido, fruta serpente
Sexo, maçã, no corpo se encerra.

21/03


As pessoas tem que saber o que elas significam


Olhos nos olhos

Sim, por que não?
Falo o que falo
Amigo, inimigo, paixão
Que cantem, que digam
Às pessoas o que elas significam

Falo o que sinto, o que penso, o que acho

Aos que se foram, aos que se vão, aos que ficam
Cada um, por si só, reconhece seu pedaço
As pessoas tem que saber o que significam

Sem medo, receio, ou repressão

Às favas os imbecis que classificam
Digam o que representam, o que são
As pessoas tem que saber o que significam.

22/03


Bob D.


Sua gaita me rasga a alma

Vinda do nada, como pedra rolada
Me corta o peito, me acalma
Bruta melodia, sem direção pra casa

Crônica do dia

Ao dia
Um sonho de rebeldia
Adia

Para o que quer que seja

Planeja
Cada frase, cada verso
Diverso, perverso
Dylan, o poeta inverso
Da vida
Da sua que é minha
Calada pelo que não tinha
Vida vencida, trazida, só ida.

23/03


Risadinha
Uma risada é um relance da alma
Vislumbre da calma
Sentido
É vida nova um sorriso
Ainda que contido
Detido

A leveza de um gargalhar
Sons com poder de curar
Por simplesmente melhorar

Um momento
Movimento
Decisão
De uma visão

Enfrentá-la com uma risada
De pé, diante, rindo
De posse de uma gargalhada
Sorriso, sorri, sorrindo.

24/03


Descobrideiros
Aqui, entre os primeiros

Somos todos sorrateiros
Através dos derradeiros
Dias de nossos sonos

Correndo atrás de bônus

Leiloeiros
De horas e dias inteiros
Ignoram ser prisioneiros

Saberão de tudo, pioneiros

O mundo, carniceiros
Sufocarão
Em praça, pregoeiros
Passageiros, estrangeiros
São.

25/03


Fela!


Salve Fela

Rei das raças
Graças
Existe em meio a elas
Passas, Fela
Como Mandela
Encarnado homem da Nigéria
Líder

Salve Fela

Majestade em hit
Ritmo
Afrobeat
Signo
Voa no flow
Flutua no show

Salve Fela

Em vida sua república
Despida de túnica
Separada, única
Pública e última

Salve Fela

Rei das ruas
Suas, nuas, cruas
Canções, refrões
Ações
Resistência
Ainda em persistência
Apesar de tua ausência

Salve Fela!


26/03


Da janela do mundo

Vem, 

Se acende e se liga pra mim
Convence que é melhor assim
Sabendo sem sair do sofá
Parado no mesmo lugar

Vem,

Me conhece e me olha de perto
Me doutrina, me diz o que é certo
Ideologia é informação
DI-VER-SÃO
Divergir, divertir
Me conquista, me deixa entretido
Me derruba, me torna vencido
Conformismo e dominação
Condição

Vem, 

Me faz rir, me descansa a cabeça
Vai, me vende mais uma cerveja
Me diz o que ouvir
O que sentir
Me fala o que pensar
Em quem votar
Me ensina como ver
Como viver

Vem,

Me enterra que eu fico feliz
Me fala 'foi você quem me quis'
Me dá mais um reality show
Fala comigo e me diz o que eu sou.

27/03


À sombra do silêncio


O silêncio que precede o medo

O lamento que antecede o choro
O respiro que antecede o grito
O silêncio que precede o estouro

É raro

Um leve momento solto no ar
Pro esquecimento se põe a voar
Mais um
Um mais

Silêncio

Ao próprio tempo
Ciumento seja das palavras
Hoje tão raras
Tão sem sentimento
Sempre à sombra do silêncio.

28/03


As veias abertas


No sétimo selo

Excesso de zelo
Tudo que sentiu

Viciado em espelho

Conturbado, vermelho
Belo dia caiu

Batido, vencido

Sentiu-se a vagar
Atrasado, esquecido
Sem valor, sem lugar

Quando a dor escondida

Se apresenta, descortinada
Saberá, por própria vida
Sua sina, revelada

Destinado, acossado

Engole seco, grita passagem
Olha pra trás, teme o passado
Vê adiante, adelante, a viagem

Ninguém jamais voltou

Igual, nada, melhor, pior
Andar por onde jamais andou
Ter pra si, entre as coragens, a maior.

29/03


Monólogo
Sozinho
Que é meu o caminho
Solo
Que sou, por onde vou

Atrás do que não sei
Por poucas estradas andei
Mas onde estive, quando passei
Não estava só de passagem, fiquei

Embarco agora logo
Em meu próprio monólogo
Mono logo
Minha única razão
Meu senão
Sozinho, caminho então.

30/03


O que não foi visto


Me tentam

Se esquentam
Mas não cedo

Por teor

Por amor
Por medo

Que me venham

E não me volte mais
Que me atire
E não olhe pra trás

Resisto

Enquanto insisto
Existo
Pelo que não foi visto.

31/03


Pequena, pequena


Pequena, pequena

Em breve sairás de cena
Deixarás saudade
Entre nós, amigos de tua idade

Órfãos da tua graça

Que passa
Como brilho de um carisma que é só teu
Valeu
Por todas as manhãs de beijos
Cortejos
Os passeios, os carinhos
Sozinhos
Companheiros, companhias
Sons, batidas, melodias

Uma pena, pequena

Que te vás logo, em breve
Me alegro por apenas
Saber que partes leve
Deixando teus problemas
Partindo de olhos vivos
Muito vivos, serena
Que vá bem, que seja plena
Pequena, minha sempre pequena.